Alexandre Franco Sandy.
Embora eu tenha convivido minha infância, adolescência e parte de minha vida adulta entre surfistas amadores e profissionais, jamais peguei onda com prancha de gente grande, isto é, de fibra, com quilha, parafina, etc.. O máximo de minhas experiências com acessórios para pegar ondas, foi a Planonda, de isopor, e a Madeirite, confeccionada com madeira e pintada com tinta náutica. Pés-de-pato eram acessórios opcionais, dependendo da altura do mar, usados aos pares ou apenas em um dos pés, podendo alternar entre esquerdo e direito, apesar de eu ser destro. Portanto eu era um cara do peito, ou seja, eu não ficava em pé sobre as ondas, mas as singrava de peito no Arpoador, Pier de Ipanema e outras praias freqüentadas pela tribo, fora de Ipanema, que significava, para mim, o Rio de Janeiro.
Os irmãos Bing e Ruy
Isto se deve a um fato inusitado que, à época, me deixou bem pê da vida. Na década de 70, um infante querendo passar correndo pela puberdade para atingir o mais rápido possível a maioridade, eu era tolerado por meus irmãos mais velhos e respectivos amigos, não fazia parte se suas turmas, mas era o baixinho que eles tinham que rebocar à praia, para não ter que pagar o mico de ir com mamãe ou papai. Bing, dois anos mais velho do que eu e dois mais novo que Ruy, não estava nem aí para o que eu fizesse e para onde fosse, ele sabia que não ia sair dos limites de faixa de areia que se restringiam da Praia do Diabo ao Jardim de Allah. Já o Ruy era mais zeloso, principalmente no que tangia às pedras do Arpoador. Digo pedras porque cada pedaço da grande ponta rochosa era um ponto de mergulho e um topônimo, isto é, recebia um nome próprio. Eu só podia mergulhar do Pontão ou do Samarangue. Do outro lado, no paredão do Diabo, só quando o mar estivesse de maré alta, sem ressaca naturalmente. E sempre acompanhado de quem fosse de sua confiança, isto é, de alguém que soubesse mergulhar das pedras e nadar muito bem.
Pegando jacaré (ondas de peito)
Eu sabia mergulhar das pedras e nadava bem. Como disse, eu era o carinha do peito. Pegava jacaré (até hoje não sei a origem desta expressão) e me divertia sozinho, deixando meus irmãos fazerem o que lhes desse na telha.
Bing comprou uma prancha, linda, azul, em dégradé, não me recordo da marca (acho que foi uma Nirvana, não posso garantir), porém sei que tinha pedigree, era das boas, do Marquinho China, com quem formava trio com Vitão “Lingüiça” Holsmeister (Ex da Patrícia Young), que estudavam na mesma sala no Andrews. Eu disse estudavam? Opa, leia-se freqüentavam a mesma sala no saudoso Colégio da Praia de Botafogo. Bing tinha um ciúme doentio de suas coisas, a ponto de comprar sapatos dois números menores do que calçava, só para não “poder” emprestar aos outros dois irmãos, cujos pés tinham um mesmo tamanho a partir de certa época. Com a prancha então, nem se fala.
As ervas aromáticas faziam sucesso :)
“Oba, exclamei para mim mesmo, é hoje”!
A surpresa não foi a prancha estar ociosa, mas sim o fato de meu irmão ter permitido que eu, finalmente, a experimentasse. Eu jamais havia subido numa antes. Muito metido e feliz, fui para além da arrebentação, remando orgulhosamente. Lá fiquei tomando coragem e aguardado alguma onda pegável. Ela veio! Remei o mais que pude e entrei em seu empuxo. Senti que ela havia adquirido momento linear, isto é, embalara. Foram seis segundos maravilhosos! Que sensação viajante e lisérgica, sentir uma prancha ganhar movimento próprio. Mantive-me deitado sobre a prancha e fui até o ponto em que perdera a impulsão. Voltei para a área de embarque. Assim como na primeira onda, repeti o ritual na segunda. Só que, agora, eu queria ficar em pé sobre a prancha. Eu já tinha observado milhares de vezes como se fazia, bastava imitar, pensei.
O cara do peito
Os movimentos foram iguais nos três primeiros segundos em que senti a prancha ganhar embalo. Eu não sabia o timing de quando deveria mudar minha postura do decúbito abdominal para a posição vertical. Mas não deu tempo de pensar. Afinal eu pegara uma caroninha na degustação que se estava praticando na areia, Parei de remar e firmei ambos os braços, apoiando-me na prancha, para poder ficar de joelhos e logo em seguida , de pé. No que pressionei a prancha, ao invés de meu corpo subir, aconteceu o inverso, como nos desenhos animados, a prancha desceu e embicou na água. A onda já havia quebrado à minha direita, eu não contava com aquela freada brusca da maldita prancha. FDP! A prancha ficou e eu fui, de peito mesmo, para não desperdiçar aquela onda tão boa. Depois voltei nadando ate onde a prancha estava, longe pra caramba. Bem contrariado, peguei a prancha e desci de volta para a areia como se ela fosse uma Planonda, só me esqueci do fato de que ela não era de isopor, mais uma vez o bico da desgraçada cismou de entrar n’água. Mais uma vez eu fui e a prancha ficou. Mais pê ainda, voltei peguei a prancha e voltei para a areia, remando.
Bing e seus amigos haviam assistido a tudo! Só não levei cascudos, mas todo tipo de gozação foi pouco pela humilhação que passei. Nunca mais na vida me atrevi a subir numa prancha de surfe. E, resignadamente, continuei a pegar ondas de peito. Eu era o cara do peito!