Evandro Mesquita.
Aconteceu no estúdio “F”, de foda, no PROJAC, durante a gravação de um episódio de “Os Normais” com a Fernanda Torres e o Luiz Fernando Guimarães.
Eu e Danielle Winits éramos os convidados da semana.
Eu estava numa correria louca, fase de muito trabalho. Nem eu me encontrava mais, quando chegava em casa, eu já tinha saído! E pra complicar, o canal. Não o da TV, o do dente... Aquele vizinho do canino. Por isso a dor de cão! Volta e meia o canal dava sinal, insistindo para que eu fizesse uma visita ao dentista e terminasse o tratamento. Era importante ter pensamento e saldo positivo. Teria que tomar vergonha, anestesia e trocar o provisório pelo definitivo.
Cena do beijo
Tinha pouco tempo para ficar sentado numa cadeira de boca aberta cuidando dos dentes e ouvindo aquela musiquinha. Pensei com meus molares: vou semana que vem. E, atrasado pra gravação, engoli um sanduíche com um suco de açaí pra dar sustância. Ao sorrir para o espelho mais próximo, vi que estava com a boca roxa. Passei a língua numa faxina rápida e peguei um último chiclete de validade vencida que encontrei perdido no porta-luvas do carro. Talvez tivesse a cena do beijo e eu sem tempo nem escova para os dentes. O jeito era apelar para o velho e bom chiclete. Joguei dentro da boca e acelerei para a Globo.
Masca daqui, masca dali, até que... Clóc... Um estalinho. Fingi que não ouvi. Dei uma geral com a língua e estavam todos ali, nada duro no chiclete. Respirei aliviado. Mas ao descer do carro, já no estacionamento do Projac, senti meu coração apertado e todo meu corpo tomado... Eu não queria acreditar no balanço do pré-molar.
Até que numa mordida mais estressada no chiclete cansado... tchuc!
Não, pelo amor de Nossa Senhora do Bom Sorriso, não faça isso comigo! Agora não! Juro que depois da gravação vou direto pro dentista. Porra, que azar. Naufrágio iminente! Cutuquei com o dedo o dente, dando uma leve pressão. Cumprimentei o porteiro e, tenso pra cacete, cuspi o chiclete sem muita cerimônia nas bromélias do jardim. Enquanto verificava o estrago dando uma geral nos dentes com a língua, eu tentava me consolar: Foi apenas um abalinho... nada de pânico!
Video Show
Tá tudo bem... Vai ser bom, vai ser linda a cena... Repetia pra mim mesmo, apertando o passo pra não ter que falar com o grande Lima Duarte naquela situação. Fugi também da alegre repórter do Vídeo Show que, pra meu desespero, me perguntava com quem que o galã da novela das seis deveria ficar no final. Sorri de boca fechada me desculpando. Tô atrasado... Me pergunta quando acabar a próxima novela... Desculpe.
Agora já estava num trote acelerado por cima do jardim ignorando a passarela. Pulei a cerquinha das begônias num galope controlado cruzando com uns doze figurantes vestidos de árabes, depois passei no meio de soldados gaúchos do século passado, alguns com sangue nas roupas. Estranhíssimo esse Projac! Foi aí que pensei na possibilidade de estar num pesadelo... Não estava, o dente doía e latejava. Respirei fundo enquanto mordia levemente o dente para recolocá-lo na pressão. Tick! Ufa... Acho que encaixou. Tudo bem, foi apenas um aviso... Graças a Deus!
Aí, tome figurino, maquiagem, ensaios, luz, câmera e ação!
Gravamos umas três cenas e eu já nem me lembrava que tinha dentes, muito menos provisórios e canais.
Foi quando o produtor entrou no camarim, interrompendo um delicioso papo reggae entre Nanda, Luiz e eu. Era hora da cena do jantar. Danielle já estava na mesa. Seria uma longa cena de discussão num jantar com os dois casais. Tínhamos texto pra falar e comida pra comer. Era bobó de camarão disfarçado de camarão ao catupiry.
Concentração total. Gravando!!!
Luz, Câmera e Ação!
Texto vai, texto vem... De repente, durante uma mordida num camarão parrudo, no meio da cena, senti algo estranho e duro entre o camarão e o catupiry. Pôta la mierda! Não acredito! Era verdade. Havia um OVNI na minha boca! Um objeto não identificado entre os camarões. E para o meu desespero, a cena continuava. Uma rápida checada e pimba, um buracaço! Estava lá, amigos da Globo: o dente provisório flutuava como uma pipa pelo céu da minha boca, livre, leve, solto e mergulhado no catupiry. Tentei não engolir o dente separando o camarão com uma linguada em diagonal e... Slup! O camarão escorregou pela garganta adentro como um comprimido, me deixando a sós com o dente. Tava chegando minha hora de dizer o texto. Precisava agir rápido. Cuspir ou engolir? Eis a questão. Foram segundos intermináveis de pânico. Rápido, o que fazer? Paro a cena? Tiro o dente da boca ali, na cara dos atores? Não tinha muita intimidade com a Danielle pra tirar um dente da boca na frente dela... E o diretor? O pessoal da técnica?
Foram milésimos de segundo sob os olhares atentos de todos no estúdio, inclusive a câmera que gravava a cena e minha agonia. Decidi extraí-lo da boca sem que ninguém visse e... Zupt! Num gesto mais rápido que Billy The Kid, coordenei a ligeira cuspida seca com a passada de mão pela boca. Uau, até aqui tudo bem. A criança já estava em minhas mãos. Disse meu texto sabe lá Deus como! O pior é que responderam. A cena continuava. Agora com o dente na mão e com o cuidado de não abrir muito a boca pra não entregar o buraco. Entregar o buraco no bom sentido, é claro. Eu sentia que tava falando estranho:
_ Xi vochê tivexi me pidido eu ia te bushicar na aerofortuh!
Incrivelmente, todo mundo achou normal. Fingi de morto e continuei, falando e gesticulando sempre com o dente na mão até que... Corta! Berrou o diretor. Vamos pra próxima! Para minha agradável e refrescante surpresa, nin-guém notou! Eu saí de fininho... Com o rabo entre as pernas e o dente e o cu na mão.
Seu vizinho procura o buraco
Me embrenhei no lado escuro do cenário, atrás de umas tapadeiras, e comecei desesperadamente a tentar encaixar a obturação no lugar. É como um quebra-cabeça, aquela pecinha que você sabe que é dali, mas não entra de jeito nenhum. Tem um lado certo pra encaixar e nunca é o que você coloca de primeira, claro. Ainda mais no escuro e na adrenalina. Eu tentava segurar o dente com o polegar e o indicador, apalpando com o “seu vizinho” pra achar o buraco, quando ouvi o diretor:
_ Ué, cadê ele?! Chama ele! Ele tava aqui agora!
“Ele” era eu... E a essa altura eu já estava com as duas mãos dentro da boca, tentando encaixar a porra do dente na bosta do buraco. E claro que o buraco era sempre mais embaixo... Até que, tchuff, entrou! E entrou com um simples tchuff, como uma luva. Encaixou certinho, como se nunca tivesse saído dali, o filadapota. Quase não balançava e tinha certa aderência nas curvas.
Voltei pra cena com um semblante de recém-afogado... Com cara de mulher depois de parir, sabe? Retomamos as gravações.
_ Onde cê tava?
Eu ia balbuciar qualquer mentira, quando ele mesmo continuou.
_ Cena da briga. Fernanda e a Danielle brigam no sofá e se jogam no chão, puxando o cabelo uma da outra...
Minha participação era simples, sem comida e quase sem texto. Eu só teria que apartar a porradaria, me jogando em cima delas. Simples assim.
Gravando! As duas começaram a se estapear e foram para o chão. É agora, pensei e... Vlássah! Me joguei em cima das duas. Quando pulei, o dente pulou também. E agora ele pulou pra fora da boca, num duplo twist carpado (de fazer inveja a qualquer Daiane dos Santos). Meu Deus! Porque me abandonastes?! Ali, pra todo Brasil. Vergonha nacional. Passou um flash na minha cabeça imaginando o William Bonner e a Fátima Bernardes, no Jornal Nacional:
_ Boa noite. Pulou da boca o dente do ator durante as gravações. Boa noite!
Ninguém gritou “corta” e mais uma vez eu tinha metade de um milésimo de segundo pra pensar no que fazer. E eu não fazia idéia de onde tinha parado o dente. Enquanto as duas se atracavam, eu tentava separar e procurava, desesperado e disfarçadamente, o dente pelo chão no meio delas... E nada!
E o texto:
_ Não faz isso! Separa, separa!
Até que o diretor parou a cena.
_ Muito bom! - Ele disse.
Nenhum comentário sobre o vôo do dente. Acho que ninguém sacou. E a câmera? Será que registrou o pulo? Levantamos os três e eu ainda olhava para o chão na esperança de encontrar meu sorriso completo... E nada! De repente, olhei pra Fernanda e gelei... Lá estava ele, meu dente, sorrindo pra mim, agarrado nos cabelos da Nanda, três dedos abaixo da orelha. Ai, meu carilho!, pensei com os outros dentes que me restavam. E agora, my friend José? Num gesto rápido passei carinhosamente minha mão nos cabelos dela, dizendo:
_ Nanda, te machuquei, quando pulei em cima de vocês!?... Desculpe!
E resgatei minha obturação num gesto sutil e preciso, como de um cirurgião. Parecia truque de mister M. Pela segunda vez o dente saía da minha boca e se entocava na minha mão. Deu um alívio, assim como depois de fazer xixi, quanto estamos apertados.
Não quis nem ver a revisão da cena. Fui direto para o dentista e contei a história, ele dava gargalhadas comigo já de boca aberta.
Depois, quando assisti a cena do jantar na TV, vi minha cara de pânico no momento que mordi o camarão, sentindo a obturação.
Comprei o DVD e a cena está lá.
Meses depois, contei para meus coleguinhas de trabalho o ocorrido...
Alguns acham que é piada. Mas só eu sei dos momentos de adrenalina e pânico fora do normal que vivi no Os Normais em rede nacional!