Doces tardes
Christina Thedim.
Tempo faz que, deitada de bruços, sob um escaldante sol, nas areias finas de uma antiga Ipanema, Lidia sentiu-se verdadeiramente dona do mundo. Havia plena consciência de que não era pequeno o desafio que tinha pela frente, início de uma adolescência cheia de encantamento, paixões e revoluções de costumes. Mas uma força interior, uma curiosidade latente - tão própria da juventude - não cedeu espaço para o medo de ousar. Seguiu trilhando os muitos caminhos, sempre incertos, ditados por um coração constantemente apaixonado.
Celebridades
Assim, de bruços, nas areias agora de textura bem mais encorpada, lembrava-se, como num filme, de cada etapa de sua louca vida... O frescobol ao lado, coberto pela areia, para que o sol não empenasse as raquetes de madeira, como eram nos idos da década de setenta, aguardava ansioso um bom parceiro, a fim de dar vazão, com cortadas de direita e esquerda, essas uma especialidade sua, a tanta energia vital que trazemos aos dezoito. A galera se reunia no Pier de Ipanema da rua Teixeira de Mello, numa mesma roda, com Gal Costa, Vilminha, Petit - o menino dourado com um dragão tatuado no braço - e outros mais que se tornaram celebridades, em total liberdade. Muitas trocas e grandes descobertas fazíamos juntos, sem medo de sermos felizes. Tudo era desconhecido, e valia à pena ser explorado, experimentado. Não tínhamos a AIDS e vivenciávamos a descoberta do corpo e os anseios da libido de uma maneira plena e saudável. Os sofrimentos advinham mais em função dos amores, intensos e nem sempre, como é comum a todas as paixões, o ideal de um relacionamento à dois. À princípio, todos eram príncipes, repletos de brilho e magia, a mexer com seu inconsciente mas, com o passar das horas, que por vezes duravam semana, o efeito inebriante passava e, como no dia seguinte a um grande porre, a rebordosa chegava e o sapo tomava o lugar do eleito, que se transformava no mais horroroso e inconcebível de todos os homens. As paixonites se aprofundandaram com passar das décadas, durando meses e depois anos, até que a última, que emplacou exatos sete, deixou-lhe de presente Radna - sua filha querida e eternamente desejada.
Amor, Amar, Radna
A brisa suave da tarde trazia uma sensação de relaxamento, e pensar em Radna a fez chorar de amor, de amar. Momento esse em que se sentiu parte íntegra da Criação, bem sucedida tentativa do Criador, abençoada criatura.
Solitários prazeres
Mas a estória agora era mesmo outra. Seu coração, antes tão exigido pelas experiências sentimentais, permanecia totalmente só. Meses se passavam sem que o toque carinhoso de um homem em seu corpo, antes tão solicitado, se fizesse sentir. Não podia culpar os hormônios, pois estes continuavam agindo, clandestinamente, levando-a a solitários prazeres. Muito bem-vindos, diga-se de passagem. A vontade de amar permanecia latente, mas os príncipes estavam escassos, e não reconhecia nenhum nos ogros de plantão. Tornara-se uma solitária mais por opção que por falta de oferta. A maturidade tem dessas coisas. Desenvolve-se uma visão, nem sempre preciosa, porém precisa, das pessoas e de certas situações. A vida nos dá esse respaldo. E dentro de um conceito totalmente junguiano, a tendência é que não se queira repetir o que nos fez mal e nos tirou a paz no passado. Conseqüentemente, perdemos o interesse naquela pessoa que já traz consigo o estigma do dejavù, do já experimentado sem resultados gratificantes. Vale também o outro lado da moeda, aqueles que deixaram em sua alma de Colombina felizes lembranças de Pierrot, mas que, mesmo assim, faziam agora parte de sua estória de vida, fosse lá o motivo que tivesse sido, pois, cada um é um, diferente, perfeito.
Doces desejos
O farfalhar das ondas era o mesmo de milhares de eras atrás. Embalada por doces desejos deixou-se ficar a deriva, confiante. Acordou com uma voz que lhe pedia as horas, alguém desconhecido, mas muito, muito interessante.